Mães chilenas e brasileiras debatem uso da maconha medicinal
06 de maio de 2016
Comissão do Cumpra-se! da Alerj promove audiência com especialistas que lutam para liberar a produção de medicamento alternativo
Ao legalizar o uso medicinal da cannabis, o Chile se tornou o maior cultivador de maconha para uso medicinal da América Latina, a partir do trabalho desenvolvido pelo projeto da Fundação Daya, que plantou 6.400 pés de maconha para fornecer cannabis medicinal para 4.000 pacientes do país, que sofrem de epilepsia, câncer e outras doenças.
Os resultados promissores da experiência chilena, que começam a ser replicados na Argentina, agitaram a Audiência Pública Maconha Medicinal, promovida hoje (6/5) pela Comissão pelo Cumprimento das Leis da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro – a Comissão do Cumpra-se!.
A audiência sobre o uso da maconha medicinal – que é tema também da Marcha da Maconha deste sábado – serviu para se discutir a situação de mães brasileiras que lutam pela descriminalização da droga e a experiência de mães chilenas, que plantam cannabis para a produção de medicamentos para seus filhos enfermos.
Organizada pelo presidente da Comissão do Cumpra-se!, deputado Carlos Minc, a audiência reuniu enfermos, mães e pais de pacientes, e especialistas da Fiocruz, UFRJ e Instituto do Cérebro do Rio de Janeiro, que lutam pela derrubada de barreiras que ainda atrapalham a produção e o uso da maconha medicinal em inúmeros tratamentos alternativos. No Brasil, em desespero pela situação dos seus filhos, pais passarem a obter esses medicamentos de forma ilegal.
“Temos que dar dignidade a essas mães que precisam do medicamento para tratar seus filhos. É preciso que o Brasil dê atenção à descriminalização da maconha”, defendeu Minc.
Para conseguir autorização e importar medicamentos produzidos com o princípio ativo da maconha, familiares e pacientes passaram a recorrer à Justiça, mas reclamam da burocracia para conseguir obter o medicamento.
“Tem mães que esperam a medicação por um ano. Estamos desamparadas num sistema de saúde que não nos dá condição de lançar mão dessa opção de forma segura, ampla e com garantias de continuidade. Precisamos que o Estado leve a sério a cannabis como mais uma opção terapêutica para diversas doenças. Existem diferentes respostas que os pacientes apresentam aos diferentes extratos usados atualmente, por exemplo, o THC (tetraidrocanabinol).
Minha filha respondeu muito melhor como um anticonvulsivante do que com o CBD (canabidiol). Precisamos do apoio de entidades, como a Fiocruz, para que sejam viabilizadas a produção e a distribuição de extrato nacional. Nós temos pressa, nosso tempo não é tempo político nem econômico, é o tempo incerto e urgente entre a vida e a morte”, disse Margarete Brito.
Margarete é uma das mães que lutam pela descriminalização da maconha para fins medicinais. Sua filha é portadora de CDKL5, uma síndrome sem cura, com epilepsia de difícil controle, que pode causar convulsões diárias.
O diretor da Anvisa, Ivo Bucaresky, falou das dificuldades para se registrar o canabidiol na agência do Ministério da Saúde:
“Nós somos um polo passivo do processo. O registro de medicamento tem que ser pedido por um laboratório, e até hoje não houve esse pedido para registrar o canabidiol. A questão desses laboratórios é de terminar as pesquisas clínicas, comprovando a efetividade e a segurança do canabidiol. Sabemos que o extrato tem isso pelas experiências que as famílias estão tendo, mas os laboratórios precisam também ter, para um registro com de uma série de pesquisas dentro de regras científicas que estão sendo feitas por diversas universidades. Nós da Anvisa esperamos que, em breve, alguém entre com esse pedido de registro”, disse Ivo Bucaresky.
A neurocientista da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Cecília Hedin afirmou que as pesquisas que realizadas no país, sobre a maconha medicinal, caminham a passos lentos, em função da proibição. “Sabemos que os canabinóides são promotores de saúde, e queremos que a pesquisa e a produção ande mais depressa. Mas, pra isso, é preciso descriminalizá-la”, disse Hedin.
REFÊRENCIAS CHILENAS
No Chile a situação é promissora, contando inclusive com o apoio do Ministério da Saúde do país. Duas chilenas participaram da audiência de hoje, para relatar a experiência com a liberação do uso da maconha medicinal – onde já existe plantio para o tratamento de 4.000 pacientes.
“O cultivo é parte dos direitos humanos. Um recurso desses não deve ser negado para alívio da dor ou sofrimento de alguém. Nossa motivação é ajudar os pacientes, e temos uma fundação que auxilia centenas de famílias. Organizamos o primeiro Seminário Internacional de Cannabis Medicinal de Santiago, com patrocínio do Ministério da Saúde, da Universidade de Valparaíso, Câmara de Deputados e do Colégio de Químicos e Farmacêuticos e Bioquímicos do Chile. Queremos ajudar o Brasil a avançar nesse tema. É preciso usar a informação para derrubar os preconceitos”, disse a presidente da Fundação Daya, a famosa atriz chilena Ana Maria Gazmuri.
Criada há três anos, a Fundação Daya tem por objetivo pesquisar e disseminar informações sobre a cannabis e promover o seu uso de forma adequada, com apoio de médicos.
Em um depoimento emocionado, Paulina Bobadilla, da Fundação MamáCultiva Chile, falou da dificuldade que enfrentou com sua filha de sete anos, que sofre de epilepsia refratária. Atualmente, graças à descriminalização da droga, ela consegue tratar a filha com o óleo de cannabis:
“No começo foi difícil e doloroso. A medicina tradicional foi ineficaz e muito cara. Isso faz três anos, quando não tínhamos mais esperanças, e os médicos não sabiam mais o que fazer. Minha filha tomava muitos anticonvulsivos, que a deixavam em outro mundo, completamente desnorteada. Muitas mães aqui do Brasil estão passando por isso também, e, por isso, temos que estar unidas para enfrentar esse mundo proibicionista, que nos abandonou por todos esses anos. No Chile já foi conquistado, na Argentina está sendo e no Brasil também vai ser”, disse Paulina Bobadilla.